Camilo Castelo Branco e Eça de Queiroz são, incontestavelmente, os dois maiores vultos da literatura portuguesa do século XIX. Não é a única particularidade que têm em comum.

Nos livros paroquiais - que constituem A fonte do projecto "Nós, Portugueses" - os dois grandes escritores partilham à nascença uma mesma circunstância: ambos foram baptizados como filhos de mãe incógnita, o que causa natural perplexidade entre os menos familiarizados com estas matérias. Afinal, pelas leis da natureza, a mãe sabe-se sempre quem é, comentam...

Desde sempre a Igreja Católica admitiu ao baptismo os inocentes mesmo que, pelas mais diversas razões, os nomes das mães não pudessem ou não quisesssem ser revelados.

Nascido na Póvoa de Varzim a 25 de Novembro de 1845, José Maria Eça de Queiroz foi baptizado na Colegiada Matriz de Vila do Conde como filho de mãe incógnita, sendo conduzido pela madrinha, Ana Joaquina Leal de Barros, portadora de uma carta do pai a ser entregue ao prior em que assumia a paternidade do recém-nascido ao mesmo tempo que explicava os motivos porque, naquele momento, não podia revelar o nome da mãe. A questão é conhecida: o casamento da mãe não tinha sido autorizado pela avó materna e só mesmo quando esta morreu, a 28 de Agosto de 1849, logo em 3 de Setembro seguinte, os pais de Eça de Queiroz puderam finalmente casar e, com isto, legitimar este seu filho.

Vinte anos antes e por motivos bem diferentes, o mesmo se passara com Camilo Castelo Branco: nascido em Lisboa a 16 de Março de 1825 no coração do Bairro Alto, na rua da Rosa, foi baptizado a 14 de Abril na vizinha igreja dos Mártires como filho de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, lavrando-se o correspondente assento a que, no fim, chegou a ser acrescentado o nome da mãe, Jacinta Maria que investigações posteriores concluiram chamar-se de facto Jacinta Rosa do Espírito Santo. Mas o nome foi riscado e, cerca de quinze dias depois, foi escriturado um novo assento que rectificava o anterior e omite definitivamente o nome da mãe. Ao contrário de Eça, Camilo nunca foi legitimado: os pais não casaram e a mãe, aliás, morreu um ano depois dele nascer, morrendo o pai quando tinha 10 anos.

Estes dois assentos de baptismo de Camilo acabaram, por ironia do destino, colocados lado a lado, um encimando o fólio 140 verso e o outro, no cimo do fólio 141 como a imagem documenta.

05 fevereiro 2025